Centro Boiadeiro de Minas

 

Pai de Santo: Nilton Cezar Reis do Nascimento

História:

Meu pai e meu avô eram caboclos, assim como eu – tenho isso em minhas origens. Minha avó era índia e morava em uma toca de pedra no tombador de Miguel Calmon, lá nas grutas, nas matas virgens. Quando eu nasci ela já era bem idosa, então a conheci pouco. Mas minha relação com meu avô foi mais próxima. Lembro que ele tinha uma palavra forte, sincera. Para ele era “o boi pela ponta e o homem pela palavra”. Ele sempre me falava isso.

Meu avô me contou alguns casos, quando eu tinha uns sete anos por aí, de quando ele era tropeiro e viajava muito. Depois que algumas pessoas começaram a tomar as coisas dos cargueiros nas estradas, houve algumas disputas, e ele passou a fazer a segurança dos tropeiros. Nesse tempo, os tropeiros recebiam ataques nas comunidades e acabaram chegando a um lugar estranho, onde havia algumas grutas. Lá acharam um povo escondido, foi quando ele conheceu minha avó e levou ela embora. Ele até voltou a frequentar essa comunidade, mas o povo era arisco demais. Mesmo assim, ele ganhou a confiança deles e construiu uma família.

Eu nasci em Várzea Nova, aqui mesmo na região, mas meus pais eram de Miguel Calmon. Quando eu tinha 11 anos, vim morar em Morro do Chapéu. Nesse tempo eu já tinha alguns  contatos espirituais, através de visões. Algumas pessoas da minha família tentaram me levar para tratamentos, mas eu não aceitei, porque achava os procedimentos estranhos, até por falta de conhecimento. Aos 23 anos resolvi fugir de casa e passar um tempo fora. Fui para São Paulo, Mato Grosso, Goiás, e por lá começou tudo de novo, só que aí veio mais forte. Precisei da ajuda dos outros para voltar para a minha cidade, porque os problemas estavam mais graves. Como não estava em mim, mas no controle dos orixás, fugi de novo.

Nesse período eu tive uma visão, enquanto dormia, em que um vaqueiro de um laticínio mandava eu acordar, porque eu finalmente tinha me achado. Ele se apresentou como Boiadeiro e disse que daquele dia em diante eu não iria mais sofrer, pois tudo o que eu tinha perdido de bens materiais e família eu conquistaria de novo com a benção dos orixás. Quando o dia amanheceu, eu acordei dando risadas à toa e fui pedir ajuda a uma vizinha. Ela me levou a um lugar e lá ajeitou tudo para mim. Daí para frente fui fazendo tudo com vontade e já seguindo as coisas certas que tinha que seguir.

No início não foi fácil para mim aceitar que incorporava, mas mesmo assim mantive dentro de casa a alegria e a certeza de que aquilo estava controlado com base na visão daquele Boiadeiro. Fiz meu trabalho com Ogum de Ronda, dono da minha cabeça, Boiadeiro de Minas, Sultão da Mata, e o povo do terreiro teve que fazer trabalhos para eu ficar mais sossegado. Minha família não aceitava, mas quando meus orixás desciam eles não desagradavam ninguém, só mostravam para o que vinham. Eles curavam tudo que era dor.

As pessoas começaram a vir aqui atrás de cura, confiando em mim e nos meus orixás. Antes eu dizia que não atendia, porque ainda precisava me trabalhar. Quando foi um dia, chegou uma  senhora de 68 anos que tinha um tempão que tentava resolver um problema, ela não podia sentir os objetos nas mãos e braços – e nenhum médico resolvia o caso. Aí Boiadeiro de Minas incorporou e mandou ela entrar, que curava. Ela entrou, ele deu deu o prazo para ela ter tato de novo e voltar a tocar nas coisas, e o problema foi resolvido. De lá para cá, não parei mais.

Foi através dos meus guias que eu soube que tinha que ter um altar, as imagens e fazer as devoções. Eles me mostraram como era meu altar todinho do jeito que eles queriam, e eu fiz dentro da minha casa mesmo. Aqui em casa eu trabalho na vidência, sem búzios nem carta, e só atendo se a pessoa tiver algum um problema, alguma necessidade. Se não tiver nenhum, eu dispenso. Meu objetivo não é ganhar dinheiro. Mas mesmo assim tem gente que quer oração, e meu orixá mandar pegar, porque ele é bom nas orações. Eu gosto de ajudar aqueles que primeiramente têm fé em Deus e que acreditam que eu seja um dos instrumentos para ajudar, guiado pela ordem do Senhor e com a força dos meus orixás.

Os guias que estão comigo são Sultão da Mata, Oxóssi Guerreiro, Ventania, Jurema, e aqui a gente toca um salve a Oxalá, com cinco ataques e dois pandeiros. Temos também em casa o capacete de Ogum de Ronda, que representa o dono do terreiro. A preparação da minha cabeça é do chefe de congar, mas o que toma conta mesmo e puxa o filho no terreiro aqui é Boiadeiro. Quando ele chega ao terreiro, traz uma espada que serve para proteger e fazer uma fortaleza espiritual na pessoa. Já o sino serve para o caboclo ativar os filhos do terreiro.

Estas são algumas das cantigas que temos aqui:

“É bonito o canto de Iemanjá,

Sempre faz o pescador chorar,

Quem escuta a mãe d’água

Vai com ela pro fundo do mar

Ô, Iemanjá, ô, Iemanjá,

Rainha das ondas sereia do mar,

Rainha das ondas sereia do mar,

Salve Iemanjá. Odoiá!”

“Ô, cadê seu Boiadeiro, onde ele está

Ele está tangendo o gado para trabalhar,

Boiadeiro tange o gado, ele cura gente,

Cadê seu Boiadeiro, ô, cabra valente,

Ô, cadê seu Boiadeiro, onde ele está

Ele está tangendo o gado para trabalhar,

Boiadeiro tange o gado, ele cura gente,

Cadê seu Boiadeiro, ô, cabra valente”

 

“Oxalá nas oliveiras pediu ao senhor, o senhor do mundo

Oxalá nas oliveiras pediu ao senhor, o senhor do mundo

Que plantasse e semeasse a caridade que o pai determinou

Que plantasse e semeasse a caridade que o pai determinou

Como é lindo Oxalá, como é lindo Oxalá

Como é lindo Oxalá, em seu congá

Como é lindo Oxalá, como é lindo Oxalá

Como é lindo Oxalá, em seu congá”

 

“Ô fazenda do meu mano, ai, ai, meu Deus

Eu tenho um vaqueiro encourado, ai, ai, meu Deus

Encorado de couro novo, ai, ai, meu Deus

Ô, para vaquejar meu gado, ai, ai meu Deus”

Eu não estou aqui por acaso, não fui eu que escolhi, precisei ir aprendendo com os outros. Assim, vou fazendo os trabalhos, há seis anos, com parceria e sem ter o que esconder. Hoje eu já tenho um controle, já consigo marcar uma consulta, se meu guia autorizar. Há uns quatro anos eu tive uma resistência de outros pais e mães de santo, que não queriam me dar espaço. Mas dona Iolanda foi uma que sempre acreditou em mim e me apoiou, tanto que até hoje ela é de dentro da minha casa e eu sou de dentro da casa dela.

Data e nomes das Festas: 

1º sábado de Janeiro – Festa do Boiadeiro

1º sábado de agosto – Festa dos Pretos Velhos (Nagôs Velhos)

1º sábado de setembro – Festa de Cosme Damião

1º sábado de outubro – Santa Bárbara

1º sábado de outubro – Festa de Ogum de Ronda