Centro de Ogum e Janaína

Mãe de Santo:  Jacy do Espírito Santos

História:

Eu sou quilombola, e minha bisavó que me criou. Ela era índia daquelas que para pegar colocaram cachorro atrás. Morreu com 110 anos em um dia de domingo, que geralmente conseguia juntar os netos todos. Ela gostava de tomar uma pinga graúda, a última coisa que nos pediu antes de morrer foi uma pinga. Eu tinha uma outra avó, Vicentina, que era parteira aqui na cidade e ainda conseguia fazer partos em toda a região do Cercado, Palmeiras, Barreiras… Era uma parteira famosa, mas não rezava.

Confesso que não aceitei o que Jesus mandou, e talvez hoje eu não estivesse sofrendo se tivesse aceitado, porque quem ajeitava o pessoal todo era eu. Rezava um, rezava outro, passava um banho para um, para outro – e eu larguei isso de mão. Um dia eu fui a um caruru, e lá o homem disse que na minha família tinha muita gente sofrendo e que a culpa era minha, porque eu deixei tudo à toa.

Lembro de duas vezes em que era para eu ter trabalhado, mas desperdicei. Uma foi depois de um casamento na Barra. Meu marido começou a beber muito, e meus filhos mais velhos quiseram voltar pra casa comigo. Meu filho que Deus já levou ia montado em um jegue com algumas cargas na frente, e ia em outro bem atrás, correndo para tentar alcançar ele. Um veado atravessou na minha frente, e eu me assustei. Quando olhei no meio do tabuleiro, tinha um policial todo trajado. Sei que ali foi Oxóssi que saiu de dentro do mato e ficou olhando para mim. Sozinha eu disse três vezes: “chagas abertas, coração ferido, o sangue do nosso senhor Jesus Cristo derramado entre nós”. E segui viagem. Oxóssi voltou para dentro do mato, e eu consegui encontrar os outros. No outro dia nem levantei da cama, do tanto que corri. Tenho certeza de que foi Oxóssi, porque eu via muitas coisas, mas desperdicei tudo. Tinha noite que eu deitava, e não dormia um pingo.

Uma outra vez, eu senti as entidades da umbanda em mim naquela praia do Farol da Barra. Tive uma evidência, quando um padre velho me disse que eu tinha que tomar conta do meu terreiro na mesa branca. Passei por algumas casas, eu sabia que existia, mas detestava esse negócio de candomblé. E nisso o meu marido andou levando umas quedas e teve uma situação que ele foi encher os cartuchos da espingarda, ela disparou e quebrou sua mão toda. Tolentino, que era o farmacêutico daqui, disse que eu estava esperando demais para resolver meus problemas espirituais e que eles iriam nos prejudicar. Teríamos que procurar um pai de santo, não era possível deixar as coisas como estavam.

Foi aí que surgiu Menino Velho na veredinha, e as tias dele vieram dizer que nos levariam lá. Fomos fazer uma limpeza, e os acidentes então pararam. Nesse tempo eu tinha quatro filhos, e no dia que meu marido teve o acidente na mão eu estava de resguardo de Maria Luzia – hoje ela tem quase 50 anos.  

Sei que aos poucos fui juntando as coisas com Antônio para montar um salão na veredinha. Ele era muito sabido, e conseguimos ajuda de algumas pessoas, inclusive da prefeitura, para montar o terreiro na Barra, onde eu nasci. Se fosse para fazer os trabalhos, teria que ser lá na Barra, mesmo. Eu tinha um quarto de atender com altar, mas meu marido era mais invocado do que eu para arrumar. Então, o pessoal vinha para aqui atrás dele e de Menino Velho. Mas Antônio morreu, e comecei a tocar o assentimento na roça sozinha, junto a um rapaz chamado Dominguinhos. Ele mesmo arrumava tudo, e quando a gente chegava lá estava um brinco de arrumado.

Teve uma vez que Menino Velho me perguntou se eu já tinha feito uma consulta, e eu disse que tinha feito. Ele foi me perguntando como foi que eu tinha visto, e eu contei que na última vez tinha atendido um menino de Cafarnaum e mostrei no copo tudo o que eu tinha visto. Nisso ele questionou se eu realmente tinha visto, e aí meteu a mão no copo, e eu não vi mais nada. O terreiro antes era cheio, mas para lidar com filho de santo tem que saber respeitar, assim como tem que lutar por eles. Se o pai de santo trata os outros com ignorância, alguns vão se afastando. Foi o que aconteceu.

Depois disso, não quis fazer mais nada, porque em seguida meu marido morreu, e eu perdi toda a animação. Fiquei ruim, e foi preciso vir uma mãe de santo de Salvador para fazer um trabalho para mim, eu não podia ficar do jeito que estava. Ela ajeitou tudo, fez a limpeza da casa e do salão. Como coisa do destino, do nada eu comecei a fazer acarajé. Trabalhei na casa de um juiz como empregada doméstica, e ele me pediu para fazer acarajé, sendo que eu nunca tinha feito em minha vida. Mas aí peguei o feijão, coloquei de molho, descasquei e assei o acarajé e entreguei a ele. Parecia coisa do destino, mesmo. Tipo quando uma pessoa nasce para alguma coisa, e só Deus tira.

Então, eu me casei de novo e decidi trabalhar com acarajé. Eu já tinha uma barraca, que vendia arroz de leite, mungunzá, bolo… E comecei a vender acarajé. No início, as pessoas acharam que não daria certo, até riram, porque nunca tinham visto isso aqui. Mas foi dando certo e cheguei a colocar cinco meninos vendendo nas ruas, com 300 acarajés. Vivi assim uns 50 anos, vendendo acarajé toda quinta-feira. O povo fala que Morro do Chapéu acaba sem meu acarajé, mas meus filhos não querem que eu fique na rua com meus 81 anos…

No funcionamento da casa, uso o colar azul, que é do acarajé que me deram lá em São José do Rio Preto. Tem o de Preto Velho me deram em Salvador para o acarajé também. E o vermelho é de Santa Bárbara. Tem também o de Ogum e de Oxalá, e o verde de Oxossi.

Algumas cantigas que a gente canta são assim:

“Ô gegi, ô gegi, ô gegi

Eu sou nagô na linha dos orixás

Eu sou rei Ogum, sou curador

Ô gegi, ô gegi, ô gegi

Eu sou nagô na linha dos orixás

Eu sou rei Ogum, sou curador

Ogum , ogum , ogum do chororó

Trago o santo zelador”

 

Data e nomes das Festas: 

Outubro – Cosme e Damião

08 de dezembro – Nossa Senhora

Primeiro domingo de dezembro – Aparecida da Comunidade