Centro de Umbanda Xangô de Ouro

Pai de Santo:  Luiz Fernando de Andrade

História:

A umbanda é herança do meu bisavô, que veio de uma família cabocla e era pai de santo – a mãe dele já trabalhava em uma linhagem muito grande de terreiro. A minha bisavó Elvira, que ainda é viva, foi achada por ele em uma tribo de índios, e era difícil saber nome e data de nascimento. Como meu bisavô era oficial de justiça, criou um registro para ela, mas a gente não sabe ao certo quando ela nasceu. Ele teve que conquistar a confiança dos indígenas e mostrar que podia oferecer a ela condições de vida melhores. Aí os pais permitiram, e eles vieram morar em Morro. Minha bisavó hoje tem 93 anos e ainda é lúcida, tanto que a gente pede a benção, e ela responde normalmente.

Meu bisavô fez o assentamento do terreiro dele aqui em Morro há 38 anos. Ele trabalhava com uma parceria com Dona Jacira, que foi uma das mães de santo mais respeitadas da região. Quando eu nasci, ela era parteira, e eu tive o prazer de nascer na casa dela. Foi a primeira pessoa que me pegou, eu já nasci em um terreiro. Lembro muito das coisas também pelo resgate que fiz das fotos de meu bisavô. Tem uma foto da gente juntos quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, em que ele está ajoelhado no altar, em trabalhos no terreiro. Em outra foto estou com mãe velha Jacira – eu chamo ela assim. E assim fui criado e cresci no meio da umbanda.

De 13 para 14 anos, eu fui vendo como meu avô trabalhava no terreiro. Apesar de ter tido um pouco de medo do candomblé, fui aprendendo a trabalhar na linha esquerda e na linha branca, para compreender a religião e também lidar com meus medos. Nesse tempo, decidi conhecer outra religião e comecei a frequentar a igreja. Passei sete anos tomando conta do Congresso da Assembléia de Deus. Só que, quando eu tinha 26 anos, passei a receber alguns sinais. Eu ia bem no casamento, ganhava um bom salário, tinha carro na garagem e tudo, mas veio uma depressão forte que me fazia pensar em descer a ribanceira e me matar.

Um dia estava assistindo a um prêmio da música popular brasileira, que tinha como homenageada Maria Betânia, ela tirou um canto de Iansã que tomou conta de mim. Por ter saído da religião, eu não era muito ligado a essas coisas, mas achei muito bonito. Fiquei com aquilo na cabeça e resolvi voltar a falar com minha mãe velha Jacira, apesar de saber que minha família evangélica não ia gostar de saber disso – a umbanda acabou para nós depois que meu bisavô faleceu. Pensava muito no fato de eu ter nascido na casa dela e que isso teria alguma relação com o meu contato com a religião. Assim, fui procurá-la.

No primeiro momento, não deu certo, porque ela estava bem velhinha e precisou sair para o hospital. Marcamos para a outra semana, mas ela teve que ir ao hospital de novo. Isso tudo foi aumentando minha dúvida e meu medo de ela falecer sem conversar antes comigo. Até que um dia fui à casa dela fazer uma visita, e foi quando ela faleceu. Foi uma coisa do destino, linda e triste ao mesmo tempo: a mulher que me trouxe ao mundo, a primeira que me pegou, morreu justamente no meu colo.

Minha mãe de santo se foi sem me responder se eu tinha sido oferecido para algum orixá. Acabei descobrindo depois que ela e meu bisavô não fizeram isso, mas que eu já tinha nascido com essa missão, o que foi confirmado pela entidade. Aí tirei isso da cabeça por algum tempo, até que mais tarde fui entender que tenho as heranças dele comigo, inclusive com Sultão das Matas como meu guia, que tem me dado oportunidade de sentir a energia do meu bisavô como senti na primeira festa a que eu fui. De todo jeito, após a morte dela voltei a questionar meu contato com a religião.

Toda vez que eu chegava da igreja, todo de terno e bíblia na mão, eu ouvia os tambores batendo. Aí pegava meu carro e saía rodando, até chegar aqui no terreiro de Seu Nilton. Eu não me aguentava quando ouvia os tambores tocando, enlouquecia. Um dia eu comecei a trabalhar de moto táxi e levei um rapaz ao terreiro de Iolanda. Quando cheguei e vi aquelas bandeirolas na casa, me deu uma alegria no coração. Deixei o cliente, e voltei para a cidade. Pouco depois, conheci um cunhado meu, que hoje é meu padrinho de santo, e ele me falou que era de um terreiro. Decidi procurar dona Iolanda, e hoje ela é minha mãe de santo.

No primeiro atendimento, ela me informou que eu tinha uma dívida e que pelo fato de ter sido crente, eu tinha um propósito com Deus. Pedi para ser atendido por Ogum, sabendo que ela sempre atendia com Iansã. Nesse dia eu tive a confirmação. Entrei para o atendimento e quem veio em terra foi Ogum. Ele falou sobre toda a minha vida e desafios, sem eu sequer abrir a boca. Lembro que eu só fazia chorar, igual um menino. Na hora das perguntas, fui logo querendo saber se eu tinha sido oferecido quando criança para o orixá, e ele me confirmou que não, que meu dom vinha de berço. Disse que todo esse tempo que passei na igreja eu deveria estar trabalhando na umbanda.

O segundo atendimento foi com Iansã, e ela me disse a mesma coisa. Em menos de um ano, eu fiz minha limpeza, minha confirmação e depois minha renovação. Em menos de seis que tinha conhecido esse terreiro comecei a fazer o meu centro. Nesse processo, nada me foi cobrado, tudo quem me deu foi Xangô com Ogum. Eles me mostraram o que queriam no centro e deu certo. Eu não tinha o dinheiro todo para comprar as coisas, mas consegui negociar os valores do terreno e dona Iolanda me deu segurança falando que os orixás dariam o caminho. Recuperei o altar do meu bisavô, com as imagens, que têm mais ou menos 50 anos, para dar continuidade aos trabalhos dele.

Sobre os guias que me protegem, tenho o meu orixá, que é o dono da minha cabeça e que eu amo, chamado Ogum, mas também tenho apego com Xangô. Quando recebia Ogum, sentia uma irradiação, as pernas formigarem, mas no começo não sabia identificar aquelas coisas, me questionava se aquilo era de Deus ou se existia de fato. Na primeira mesa que eu dei para Ogum, minha madrinha foi e cantou para Xangô, e nisso eu senti os meus pés entortarem e até minha boca foi para o lado. Ao mesmo tempo que eu sentia dor, era muito gostoso, porque ali eu via que aquilo tudo existia e que não era brincadeira. Xangô veio e vem muito, para tirar minhas dúvidas. Foi com ele que realmente entreguei meu corpo e alma para a religião.

Esta cantiga é para Ogum:

“Mas foi difícil pra sair da minha aldeia

Eu só saí quando as matas clareou

Eu sou guerreiro, eu sou vencedor de guerra

Salve os campos de batalhas, Ogum Beira Mar chegou

Eu sou guerreiro, eu sou vencedor de guerra

Salve os campos de batalhas, Ogum Beira Mar chegou”

E esta para Xangô:

“Eu vi meu pai Xangô descer a serra

Mas ele veio beirando o mar

Deixou suas pedreiras lá em cima, kaô cabecilê

Xangô é pai, é de aruanda ê ô

Xangô é pai, é de aruanda ê ô

Eu vi o sol, eu vi a lua clarear

Xangô é pai, é de aruanda ê ô”

Hoje eu me sinto muito feliz e realizado. Tenho uma mãe de santo que eu amo, um companheiro de santo, seu Nilton, que me ensina demais, e ele diz que também aprende um pouco comigo. Tem também o meu padrinho de santo, Igor, que é uma pessoa ótima e que me ajudou muito no início com a religião. Antigamente eu tinha uma esposa que era evangélica, mas o casamento não deu certo e hoje Deus me presenteou com uma esposa que é do nosso meio e também se dedica. Eu vivo muito feliz com ela. Então, eu só tenho mesmo a agradecer, porque minha vida melhorou e parou inclusive a depressão.

No começo, eu achava que seria difícil trabalhar a religião, que só faria isso quando eu estivesse com meus 50 anos para lá – eu me sentia muito novo para isso. Só que hoje a maioria das pessoas que iniciam os trabalhos são jovens. Tem muitos filhos de santo que começam entre 17 e 23 anos. Com a internet, fica mais fácil entender a fundo as coisas por que a gente está passando, o que facilita. Eu vejo a juventude de Morro curiosa, procurando saber o que é a umbanda, vindo me perguntar como é, inclusive tive o prazer de ajudar uma moça de 15 anos que pediu para eu fazer um trabalho e graças as Deus foi resolvido.

Eu não tenho vergonha de postar fotos minhas com guias em meu Facebook, pelo contrário, faço questão de colocar meus vídeos e divulgar a religião. Acho que é uma forma inclusive de diminuir a discriminação. Mesmo minha família, que era todinha de terreira, hoje é toda evangélica, e muitos acham que o que eu faço é coisa do demônio. Já apanhei muito deles. Mas tem gente que é da igreja e ainda tem muita consideração comigo, conseguimos manter a amizade como era antes. Eu mantenho o contato e respeito todo mundo. Nunca acendi e nunca vou acender uma vela para fazer mal a ninguém. Enquanto eu estiver fazendo o bem e cumprindo minha missão não podem me condenar.

 

Data e nomes das Festas: 

1º sábado de maio – Festa para Ogum

1º sábado de outubro – Caruru de Cosme Damião

1º segunda-feira de cada mês – Pipoca de Obaluaê