Centro Ogum de Lê

Mãe de Santo: Iolanda de Jesus Santana

História:

Nasci entre Brejões e Icó, em um arraial bem pequeno no caminho de Jacobina. Minha mãe, Idália, é de um lugar que fica perto das grutas dos Brejões, e com meu pai, João, não tive muito contato, porque ele morreu quando eu tinha uns 5 anos.

Lembro que quando eu era pequena, não podíamos chegar muito perto de minha avó, porque ela endoidava. Pegava umas coisas nela, que ela subia subia no teto da própria casa e às vezes só descia amarrada. Foi muita luta com ela na época, porque nos Brejões nunca se tinha escutado falar de pai de santo. Algumas senhoras até benziam umas pessoas, mas não tinha esse negócio de tratar e cuidar. No caso de minha avó, nossa família entrou em desespero, porque ninguém conseguia fazer mais nada. Eu devia ter uns seis para sete anos chegou um pai de santo chamado Serafim, aí levaram minha avó para tratar com ele. O povo ficou assombrado, sem saber o que era, mas o tempo foi passando, e minha avó ficou bem.

Fui crescendo e vendo minha avó indo para a casa dessa pessoa, só que eu nunca tinha ido lá, porque tinha medo. Mas quando tinha uns oito anos de idade, eu mesma fui assombrando. Minha mãe dizia assim: “essa menina é muito cheia de astúcia, quando ela abre a boca a gente já tem medo”. Não podia ficar dentro de casa, não podia ficar sozinha. Foi um tormento na vida da minha mãe, até que apareceu um senhor lá que benzia e minha mãe pediu para que ele me rezasse. Ele disse que eu ia sofrer muito, porque eu tinha alguns guias e deveria cuidar disso para ser uma boa mestra, e me passou alguns banhos. Na época ninguém levou a sério, por falta de conhecimento, mesmo.

Continuei dando trabalho para minha mãe e, aos 11 anos, eu queria sair daquele lugar por tudo. Não gostava mais de lá, e não sabia bem o porquê. Foi nisso que eu conheci uma tia em Morro do Chapéu, e ela pediu à minha mãe para eu ir morar com ela e estudar. Minha mãe não quis, por conta desses problemas que me atacavam, mas mesmo assim minha tia insistiu. Ela queria me levar para a igreja, pois achava que isso ia melhorar. Minha mãe acabou deixando, principalmente porque minha avó era a favor.

Quando cheguei a Morro, conheci meus avós da parte de pai. Meu avô conversou muito comigo e me contou que uma vez ele tinha ido à casa de um mestre, e ele o alertou que na nossa família teria um médium e por conta disso ele acabou passando muita atribulação na época. Ele soube através de minha mãe sobre minha situação e foi se preparando para me receber. Meu avô teve ainda mais amor por mim e ficamos apegados um ao outro.

Só que na casa da minha tia, as coisas pioraram muito. Fui ficando ainda mais perturbada, porque comecei a ver coisas. Às vezes aparecia um homem que eu achava que era meu pai – porque parecia com uma foto que eu tinha visto dele, de paletó. Ele abria os braços e me dizia tudo o que ia acontecer – quando alguém ia morrer, por exemplo. Falava tanto, que eu ficava com medo. Contava para minha mãe, e ela também tinha medo e pedia para eu não falar mais disso. Até minha tia me levava para o hospital assombrada, sem saber o que estava acontecendo. O médico dizia que era depressão e me dopava de remédio. Fui achando que o problema era comigo e clamando por Deus, até que me apareceu uma mulher, toda de azul, que me dizia que o que eu tinha não era doença. Ela também me alertou que aquele homem que eu via não era bom e que eu deveria me cuidar para não morrer. Eu deveria me dedicar ao centro e não poderia me casar. O homem, por outro lado, me dizia o contrário, justamente para me prejudicar.

O tempo foi passando, e eu com aquela perturbação. Aos 13 anos, chegou uma pessoa na casa da minha tia que entendia dessas coisas, porque a mãe dela já dava caruru, e aí ela me levou à casa de um senhor chamado Belo. Ele me rezou, falando que eu ainda ia sofrer muito por não querer a missão que tinha vindo para a minha família. Também disse que a mulher que me aparecia era do bem, e o homem do mal. Tomei alguns banhos, mas ele explicou que ainda não era ele a pessoa que cuidaria de mim. Quando eu fizesse 16 para 17 anos apareceria alguém para realmente cuidar de mim. Até lá, continuaria sofrendo. Isso tudo ele falou chorando.

Aqui em Morro tem um festejo com micareta, e uma vez fui com meu tio para distrair, ainda dopada de remédios. Só que meu tio era muito danado e queria beber, aí acabou me deixando com um rapaz enquanto ele ia comprar bebida. Fiquei com esse rapaz enquanto o trio dava umas cinco voltas, e nada de o meu tio voltar. Aí esse rapaz resolveu me levar de volta para a casa da minha tia. Quando eu coloquei a cabeça no travesseiro, o homem de preto apareceu e disse que eu deveria casar com esse moço que tinha me levado para casa. Eu disse que não, que nem conhecia ele direito, mas o homem disse que algo muito ruim aconteceria se eu não me casasse. Depois me aparecia a moça de roupa azul dizendo que não deveria fazer isso. Fiquei apavorada.

No fim, acabei casando, eu tinha 16 anos. A entidade então começou a aparecer mais vezes, outras entidades também vinham. Uma delas era Iemanjá, que dizia que eu não deveria ter casado, mas apesar disso ela me acompanharia e não me deixaria morrer. Descobri que estava grávida com 17 anos, e foi quando fiz minha primeira limpeza, com Jacirinha – que era uma das mães de santo mais respeitadas de Morro, hoje é dona Advertia. Eu tenho o maior respeito por elas duas. No dia 26 de setembro, eu cheguei nessa casa desmaiada, e ela mandou chamar meu esposo, dizendo que eu deveria fazer um trabalho – sobretudo porque era véspera do caruru. Caso eu não fizesse isso, no próximo desmaio eu não ia resistir. Foi aí que eu acabei fazendo todos os trabalhos, e o homem de preto (que era um escravo) desapareceu da minha vida. Só ficou a presença da mulher, e ela ainda me acompanhou por muito tempo.

Quando foi dia 17 de maio, eu entrei em camarinha e saí no dia 2 de junho. Depois, a minha mãe de santo começou a me colocar nos trabalhos das pessoas, e fui participando das obrigações que tinha. Passei por muitos testes e quis resistir – ainda por ter sido criada na igreja, onde as pessoas dizem que tudo isso é coisa do demônio. Cheguei a ficar cega por uns três meses, o médico dizia que eu não voltaria a enxergar. Até meu filho de sete anos foi colocado à prova – ficou muito doente, quase morreu -, mas meus orixás acompanharam ele e minha mãe de santo cuidou de mim. Ela me ensinou que eu tinha essa missão e me ajudou a aceitar. De lá para cá foi só benção.

Meu filho começou a ter melhora de uma hora pra outra, sem remédio, sem nada – hoje ele tem 27 anos e nenhum problema de saúde -, e eu voltei a atender. Fiz o meu terreiro na roça de Caraíbas, o Centro Ogum de Lê, e tenho muitos filhos de santo feitos já. Temos festejos o ano inteiro, e não deixo de forma alguma meus filhos sozinhos.

 

Esta cantiga eu canto para Iansã:

“As águas foi que me trouxe,

As águas vai me levar

Sou rica bela e guerreira,

Que venho do forte do mar

O mar é sagrado, o mar é de luz,

Nas ondas do mar navegou meu Jesus

O mar é sagrado, o mar tem poder

Ô, meu bom Jesus, me ajude a vencer

Tu me dê força meu Jesus, tu me dê força

Tu me dê com os trabalhos meus

Eu venho nesse mundo afora cumprido a sina que Jesus me deu

Eu venho nesse mundo afora cumprido a sina que Jesus me deu”

 

Data e nomes das Festas: 

Último domingo de janeiro – Festas das Matas

Início de fevereiro – Festa das Águas de Iemanjá

13 de junho – Festa de Ogum (Santo Antônio)

Final de junho – Festa da Jurema

02 de julho – Festa dos Caboclos

07 de setembro – Festa do Erês / Cosme e Damião

04 de outubro – Festa de Crispim Crispiniano

04 de dezembro – Caruru de Santa Bárbara

31 de dezembro – Festejo de encerramento do centro

De dois em dois meses – Obrigação dos velhos